MODA & POLÍTICA NO ESTANDARTE DO QANMA CHITA E FEMINISMO
- Tendência Inclusiva
- 1 de mar. de 2019
- 3 min de leitura

Como pesquisadora de Moda e Política, fui responsável pela concepção político-artística do estandarte do bloco Quem Ama Não Mata (QANM). Por isso, quero contar um pouco sobre a escolha da chita, tecido-base do estandarte e das camisetas customizadas, e seu contexto no movimento feminista oitentista Quem Ama Não Mata, reeditado em 2018.
A chita, originária da Índia, passou por um processo de ressignificação e hibridismo cultural, desde a Idade Média, até chegar à contemporaneidade com status de representante da cultura brasileira e, em especial, da mineira, pelo viés da história da moda do país. Explico: durante o Brasil Colônia, a chita vestia somente os escravos, por conseguinte, era considerada o “tecido dos desvalidos”, do mesmo modo que a mulher foi tecida pela sociedade patriarcal como “desvalida” social, intelectual e politicamente. A tecelagem em Minas Gerais competia com a dos portugueses, desse modo, a rainha Dona Maria I, ao proibir, em 1785, qualquer tipo de manufatura no Brasil, tornou um ato subversivo a utilização dos poucos teares no país, pelos escravos, índios e mestiços, na produção de chita para suas roupas. Assim como as primeiras sufragistas do século XIX também tiveram que resistir às proibições de não lutarem por seus direitos.
E mais de um século depois, na revolucionária década de 1960, a chita continua sendo símbolo de resistência, uma vez que usar roupas deste tecido fazia parte da antimoda entre hippies, tropicalistas e feministas. Foi a estilista Zuzu Angel quem levou a chita para à alta-costura, ao mesmo tempo em que utilizou o democrático tecido floral como plataforma política, durante a Ditadura Militar. Em analogia, o bloco QANM é uma ação cultural do Movimento Quem Ama Não Mata, que ocupa o espaço simbólico do carnaval de rua como local de luta e resistência, em tempos de retrocessos nas políticas de Direitos Humanos e de avanços do feminicídio.
Nas camisetas customizadas do QANM, a chita representa a sororidade, pressuposto ético e político do Movimento, prática também entre as escravas do século XIX, responsáveis pelas primeiras chitas de morim produzidas no Brasil, ao utilizarem o pano popular como resistência à cultura colonial. Foi nesse cenário têxtil de recorte feminista que a t-shirt, com a logomarca do QANM, criada com exclusividade pelo designer Gustavo Greco, tornou-se objeto central do estandarte: para levar a bandeira contra toda forma de violência à mulher e exigir respeito às suas liberdades. Por isso, as frases bordadas nas mangas “Não É Não”, em referência à campanha nacional contra o assédio na folia, mas que se estende a outras áreas que violam os direitos individuais e constitucionais das mulheres: “Não é não para sexo sem consentimento”, “não é não para relacionamento sem amor”; “não é não para piadas e brincadeiras misóginas e preconceituosas”; “Não é não para a desigualdade de gênero”.
A sustentabilidade e a afetividade também fizeram parte do processo de confecção coletiva do estandarte, que teve como base o lamê em ouro velho, simbolizando a tradição dos bordados em fios de ouro dos lábaros setecentistas de Minas Gerais: margaridas de fuxico de chita e de lamê, franjas vintage de seda, rosas de gliter, patchworks de flores de chita, decoradas com pérolas, paetês, lantejoulas e cristais, fitas de cetim nas cores sufragistas, lilás e verde, com todo o material ressignificado pelas contribuições de integrantes e simpatizantes do QANM, entre as quais Marilene Said, Mirtes Scalioni, Titita Motta, Dorinha Aguiar, Nely Rosa e Mirian Chrystus.
Eis, portanto, em que consistiu a tessitura política, tecida em chita, nas palavras de resistência e de poesia do estandarte do Quem Ama Não Mata: porque quem Ama; Ama. Afinal, respeito sempre esteve na moda. Lutar por ele é tendência. E não se calar é ter estilo.

Valéria Said Tótaro é Jornalista, professora de Ética e de Teorias do Jornalismo, Mestra em Estudos Culturais Contemporâneos e pesquisadora de Moda e Política.
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