TÊNUE LINHA
- Tendência Inclusiva
- 18 de jun. de 2017
- 3 min de leitura
Descubro a cada dia quão tênue é a linha que separa a ignorância, a ingenuidade e o “mau caratismo”.
Ignorância é, por definição, desconhecimento, falta de saber, de ciência. A princípio, não se pode atribuir a culpa pela ignorância ao ignorante. Possivelmente, faltou-lhe oportunidade de aprender, de conhecer. Pode ter faltado vontade, também. Livros fechados e não lidos não transmitem seu conteúdo. Na televisão, os canais educativos são, em geral, trocados por novelas e programas de auditório, mais atraentes do que a busca do saber. Entretanto, princípios básicos têm de ser ensinados, não se pode permitir que seu aprendizado e introjeção sejam opção individual. A prevenção da AIDS e da dengue é um bom exemplo disso.
Ingenuidade é a falta de malícia, a simplicidade no pensar e no agir. É deixar-se envolver pela credulidade, produto da inocência, deixando de considerar as conseqüências dos próprios atos. O ingênuo, por acreditar com pouca ou nenhuma avaliação, age com candura, muitas vezes com despropósito impensado. O “mau caratismo” é diferente. Nada tem de ignorância, menos ainda de ingenuidade. O “mau caratismo” é saber exatamente o que se faz, conhecer todas as suas conseqüências, e agir em benefício próprio ou de outrem em detrimento de terceiros, como se mal não houvesse. Para resolver seus problemas vale tudo! Isto posto, como explicar o comportamento no trânsito de pessoas aparentemente de moral ilibada, que cometem infrações das mais diversas, como se isto fosse a coisa mais natural do mundo? Como as pessoas se esquecem tão rapidamente de tudo aquilo que demonstraram conhecer ao conseguir sua Carteira Nacional de Habilitação, quando foram aprovadas em um teste de legislação de trânsito?
Recente obra viária aqui em Belo Horizonte teve no primeiro dia de operação um sem-número de motoristas estacionando sobre as novas calçadas, primorosamente construídas dentro de programa governamental de grande impacto político, e, por incrível que possa parecer, em frente a uma unidade da Polícia Militar! Uma das infratoras, entrevistada por um jornal de grande circulação, com direito a retrato e tudo, alegou que desconhecia não poder parar na calçada, pois o flanelinha havia lhe assegurado que sim, cobrando adiantado dez reais pelo estacionamento e, para sua surpresa, ela foi multada! Declarou enfática que iria imediatamente procurar o flanelinha para reaver a grana... Usaria ela o Código de Defesa do Consumidor?
Outra reportagem mostrou as corriqueiras cenas de pedestres andando pelo asfalto, em meio a automóveis e ônibus, enquanto as calçadas estavam ocupadas por veículos cujos donos gastavam as manhãs de sábado fazendo compras. Simpática entrevistada declarava conhecer a proibição, mas sem haver nunca se percebido do risco que causava aos pedestres, expondo-os ao tráfego. Enfim, ela demorava tão pouco na calçada... Obviamente não considerava que tão logo abandonasse a pretensa vaga esta seria imediatamente ocupada! Em terceira reportagem, desta vez em noticiário de televisão, uma motorista de carro importado, após fazer uma conversão proibida, avançar um semáforo de faixa de pedestres estacionando em seguida sobre a própria faixa, ao ser questionada por atrevido repórter se tinha conhecimento das infrações que cometera e dos riscos a que expusera os pedestres, respondeu, acidamente: “e daí?”, virando as costas e deixando o repórter atônito.
Como distinguir a ignorância, a ingenuidade e o “mau caratismo”? Onde termina uma e começa a outra? Qual é a validade dos nossos conceitos de educação para o trânsito e de fiscalização para lidar com essas diferenças? E se elas não existirem e o “mau caratismo” apenas se apresentar de formas mais suaves, mais palatáveis pela sociedade, que permitam às consciências se tranqüilizarem enquanto as ações que congestionam, atrasam, ferem e matam continuam a serem praticadas? Não seria esse “mau caratismo” um “pior caratismo”?


Osias Baptista Neto é o quarto de uma família de oito filhos, nasceu em Belo Horizonte em 1949. Formou em Engenharia Elétrica e fez mestrado em Transportes. Tem três filhos e um neto. Praticamente trabalhou todo tempo em planejamento de transportes, passando pelo Plambel, Metrobel, Seplan, BHTRANS e DER/MG. Hoje é diretor da BETA Engenharia de Transportes e Arquitetura. É motociclista e adora uma estrada.
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