MUITO ALÉM DAS PALAVRAS: A FALA E A COMUNICAÇÃO NO AUTISMO.
- Tendência Inclusiva
- 21 de mar. de 2017
- 5 min de leitura
Mas... o meu filho vai falar????
Esta pergunta é feita por, nada mais nada menos que, 99,9% das mães de crianças recém diagnosticadas com autismo. Eu não fugi à regra.
A fala é a primeira angústia que uma mãe de uma criança com autismo tem. Não sei porque mas é como se criássemos um mecanismo que mede a evolução e a fala passa a ser este balizador. Sim, é um erro. A fala não pode e não deve ter todo esse poder. A evolução da criança e do indivíduo não pode e nem deve ser medida por um único fator mas por um conjunto deles.
As crianças já nascem se comunicando. Elas choram quando sentem dor, frio ou fome.
Além do choro os bebês se comunicam com o olhar desde muito cedo. Ao serem amamentados, por exemplo, eles olham para os olhos da mãe e sorriem criando ali uma interação prazerosa para ambos. Bebês com autismo não fazem isso. Eles se alimentam sem interagir.
Outra forma de comunicação básica em bebês é o “apontar”. Bebês muito pequenos apontam para objetos e principalmente para a luz. E junto com este apontar acontece quase que simultaneamente outra forma de comunicação que é a “atenção compartilhada”. O bebê aponta para algum objeto e automaticamente olha para o adulto compartilhando este conhecimento e esperando no rosto deste uma reação. Bebês e crianças com autismo não desenvolvem isso de forma tão natural.
Quando meu filho tinha por volta de um ano de idade o pegávamos no colo e costumávamos apontar para uma lâmpada acesa na sala e acho que quase todos os pais de bebes fazem isso para brincar com os filhos. Ele olhava para nós mas não para a lâmpada. Ignorava nosso braço esticado e nossas caras e bocas. Olhava para o chão, para algum ponto na parede mas nunca para a lâmpada.
Essa falha na comunicação verbal afeta a fala por razões óbvias. Se o mecanismo de comunicação não está ativado a relação fala será igualmente prejudicada. Resumindo o desejo de se comunicar tem que estar presente para que a fala aconteça. Não dá para inverter estes papeis e por este motivo muitos autistas passam às vezes anos em um tratamento com fonoaudiólogos e não conseguem emitir uma única palavra.
Comunicação esta ligada ao comportamento e é este ponto que devemos trabalhar junto com as técnicas para aquisição da linguagem.
Um fator que confunde muito os pais é que as crianças fazem algumas coisas comuns à idade e não fazem tantas outras. Uma criança com autismo pode ter por exemplo ter balbuciado na idade certa, algumas podem apontar, a fala pode acontecer na idade certa e depois simplesmente desaparecer... alguns casos assim acontecem. Nada, absolutamente nada no autismo pode ser visto de maneira absoluta pela simples razão de que a natureza humana não é uma ciência exata.
Crianças com autismo têm atraso na linguagem e déficit's significativos na comunicação verbal, em maior ou menor grau, sempre haverá prejuízos, mesmo nos graus bem leves de autismo como no caso da Síndrome de Asperger onde a pessoa, mesmo tendo rico vocabulário, pode apresentar uma fala “pedante” devido ao discurso não corresponder às expectativas e interesse do ouvinte.

Algumas crianças com autismo vão vir a falar, outras não.
Os déficit's da linguagem estão ligados ao desenvolvimento, não é um fator isolado. Importante é trabalhar todo o conjunto. Linguagem e comunicação estão diretamente ligadas a compreensão. A maneira como pessoas com autismo vêem o mundo e o interpreta interferem na forma como se expressam sobre ele.
Pessoas com autismo tem pensamento literal, concreto. As palavras soltas podem soar desconexas e sem sentido. É preciso que a criança com autismo seja auxiliada, tomada pela mão e conduzida, é necessário que seja dada a ela auxilio para que compreenda as palavras, o sentido das mesmas para que assim possam ter um sentido funcional.
Pais de autistas adultos severos se queixam dos anos gastos com tratamentos em fonoaudiólogos sem que o filho não tenha conseguido emitir mais que 3 palavras e às vezes nem isso. E isso acontece porque há pouco mais de duas décadas passadas no Brasil, onde a maioria destes profissionais, equivocadamente, se atinham muito ao “aparelho” da linguagem, na fala em si e não no raiz do problema que pessoas com autismo apresentam, ou seja, na “comunicação”. Antes de se pensar em fala devemos pensar, embutir o desejo e modular a necessidade da comunicação, que deve fazer sentido para poder acontecer. Isso pode ser feito através da aplicação de técnicas comportamentais.
Existem muitos métodos que ajudam uma criança autista a se comunicar como a linguagem de sinais e comunicação alternativa por figuras. Não, seu filho não vai ficar preguiçoso e não vai “vir a não falar” se estes suportes forem ensinados a ele. Lembra da literaliedade? Do fazer sentido? Este suporte visual vai ajudar a criança a fazer suas conecções e inferências.
Para uma criança surda é oferecido suporte para que se comunique, para criança cega lhe ensinam o braille, mas para criança autista muitas vezes é negada a comunicação alternativa pois muitos pais e profissionais tem medo de que este recurso possa fazer com que nunca adquiram a linguagem “falada”. Puro e lamentável engano que faz com que se percam anos de tratamento, afinal muitas crianças com autismo começam a fala depois que entendem o significado das figuras. E para aquelas que não adquirirem a “fala” vão ter condições de se comunicar, de se fazer entender em suas necessidades e desejos e até interagir com as outras pessoas.
Comunicação, é muito mais do que palavras, é entender e ser entendido. Por palavras, por gestos, por figuras.
Se “seu filho vai falar”? Sim, de diversas formas. Talvez não da forma convencional, mas a comunicação virá, cedo ou tarde. E quando chegar talvez internamente ele também faça essa pergunta: “será que o mundo saberá me escutar”?

Michelle Malab é foi diagnosticada com Síndrome de Asperger já na fase adulta, anos após ter tido o diagnóstico de seu filho Pedro. Com o filho diagnosticado, deparando-se com a falta de tratamentos eficazes e poucos profissionais capacitados na área começou a estudar sobre a síndrome, tornando-se co-terapeuta no tratamento do filho. Durante anos de estudo passou administrar palestras sobre autismo e organizar seminários sobre o tema, trazendo os melhores métodos e tratamentos que visam dar às pessoas com autismo as ferramentas necessárias para seu desenvolvimento. É militante na luta pelos Direitos das Pessoas com Autismo e, em particular, no que se refere a inclusão escolar efetiva e humanizada. O autismo do filho acabou por lhe trazer também um conhecimento sobre si mesma.
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