DE RODAS PRO AR
- Tendência Inclusiva
- 29 de dez. de 2015
- 3 min de leitura
A emoção de dançar com a Cia de Rodas Para o Ar, na 6º Virada Inclusiva de São Paulo.
Dia 05 de dezembro, manhã ensolarada de sábado e lá estávamos nós, cheios de ânimo, no parque do Ibirapuera, em São Paulo, participando das comemorações do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, na 6º Virada Inclusiva.
Suando frio, por ser minha estreia nos palcos como dançarino (coisa que não sou), mal conseguia me equilibrar em cima das muletas. Logo eu, que me sinto o cara mais descolado do mundo e consigo sempre ter uma resposta "engraçadinha" nos momentos mais tensos.
Foi assim, com essa mistura de excitação e medo que encarei o desafio. Subimos ao palco e percebi que teríamos de improvisar algumas coisas, pois o espaço era um pouco menor do que aquele onde tínhamos ensaiado.
Olhei para o bailarino Clayton Brasil, líder do grupo, e ele estava com o semblante tranquilo. Imediatamente pensei: se ele está assim é porque vai dar tudo certo.
A música começou e entre rodas, bambolês, paetês, cadeiras de rodas e muletas, iniciamos nossa performance.
Fiquei em estado de choque. Tudo o que tinha planejado parecia ter sumido da minha mente.
O primeiro minuto se transformou em uma eternidade. Confesso que não via a hora daquilo tudo terminar. Depois de algum tempo, a adrenalina foi baixando e o desconforto deu lugar ao prazer. Fim do 1º ato.

O 2º ato seria uma apresentação solo de Camila Longh, dançarina com sequela de paralisia cerebral.
Posicionei-me estrategicamente no palco e testemunhei uma das mais emocionantes performances artísticas da minha vida.
As pessoas que nos prestigiavam não conseguiam se conter. Era possível vê-las chorando, torrencialmente, ao contemplar aquela apresentação tão singela e ao mesmo tempo tão cheia de significados.
Havia tanto prazer em cada movimento realizado que com certeza, todos eles foram concebidos com muita dedicação e força de vontade.
No 3º ato, Leda Maria Tronco, dançarina com paralisia cerebral e Clayton Brasil fizeram uma performance especial.
Nessa coreografia, o bailarino sobe na cadeira de rodas e forma uma imagem de extrema beleza plástica: uma águia com asas abertas e Leda ergue os braços em sinal de reverência ao grande pássaro.
Nesse momento, os artistas foram ovacionados pelo público presente. Dentre os comentários que ouvi da plateia, o mais tocante foi: "Que lindo o semblante dessa garota. Ela sorri o tempo todo!".

Clayton Brasil e Leda Tronco
Maithê Muller, dançarina com mielomelingocelo, entrou na sequência, conduzida por Raíssa Pinheiro, bailarina e professora da Cia.
Ambas fizeram uma apresentação profunda e delicada. Dava para ver nos olhos de Maithê a sensação de empoderamento que a dança lhe trazia. Ela podia tudo naquele momento. Pouco importava se estava sentada em uma cadeira ou não. Seu espírito podia voar.
Para finalizar a apresentação, Longh, pai de Camila Longh, artista plástico, conhecido como o PaiAção, recitou alguns versos e pintou um quadro, enquanto nós, os dançarinos, fazíamos movimentos baseados na improvisação livre.

Ao término, o artista doou sua obra para o líder da Cia de Rodas Para o Ar. Era a imagem de Jesus Cristo sentado em uma cadeira de rodas. A emoção tomou conta de todos de uma forma tão intensa que o público não queria ir embora. Ficamos ali abraçados tentando nos dispersar, enquanto nos aplaudiam.

É impossível participar de uma experiência como essa e não sentir-se tocado.
Não há dúvidas de que saí dali mais rico. Mais consciente do meu papel na sociedade e mais certo da necessidade da militância.
Não basta reclamar sem nada fazer.
A Virada Inclusiva de São Paulo ainda deixa muito a desejar. Não há divulgação por parte da prefeitura de São Paulo e, por isso, não atrai grandes públicos. Não há, sequer, um banheiro químico para atender as pessoas que se apresentam.
Saí de lá com duas certezas: aqueles que por lá passaram e assistiram as apresentações foram grandes privilegiados. E nós, pessoas com deficiência, ainda temos muito a fazer para provar ao mundo que temos plena capacidade de produzir com qualidade, com graça, com técnica, com estudo e sem a necessidade de assistencialismo.
Sílvio Carvalho
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