UMA FRAUDE?
- Tendência Inclusiva
- 15 de fev. de 2018
- 2 min de leitura
Nunca fui bem em entrevistas de emprego, e sempre que eu pensava como deveria falar sobre minha surdez, me dava um nó no estômago. Ficava super nervosa, era sofrido. Eu não saberia explicar que eu não ouço se falam de costas para mim. Que não ouço em rodas, em grupos de pessoas, que já não escuto sobre o que as pessoas estão falando a uma certa distância. Então, sempre foi tudo muita ginástica, tentando esconder um problema como se fosse algo horrível, como se fosse culpa minha. Sempre foi assim, uma ginástica sofrida. Sem contar os casos de puro preconceito mesmo, de falta de empatia.
E quando eu ia em uma entrevista, era assim que eu me sentia: uma fraude! Foram necessários anos de terapia, experiência de vida e muitas outras coisas para mudar o meu medo. Claro, hoje ainda vivencio muito dessas situações, mas como fiz concurso como deficiente mesmo, a tentativa da minha instituição me integrar foi grande e bonita. Ainda é.
Não é muito legal saber que geralmente, vagas para deficientes, somente para cargos administrativos.
Cargos mais específicos, raramente reservam vagas para deficientes. Muita coisa avançou, muita coisa ainda precisa avançar.
Essa ginástica que sempre fiz, e que acredito que muitos deficientes auditivos devem fazer, é positiva para sermos cada vez mais pró-ativos, mas o estresse é maior também. Poderíamos ser pró-ativos sem precisar desse sofrimento todo.
A melhor maneira de se integrar uma pessoa nessa situação é com perguntas mesmo. Pode perguntar à vontade: “Você escutou?” “ Quer que eu fale mais alto?”. Coisas simples, mas que me poupam de explicar para cada ser humano que eu vejo, que eu tenho deficiência auditiva. Aliás, algo que exaure um pouco. Sem contar os que, pela milionésima vez, você os lembra que você não escuta e os distraídos sempre dizem: “ah, esqueci”. Não tem como condenar, mas é muito mais gostoso quando alguém realmente presta atenção na gente, lembra que temos esse problema, que não me trata como um “ser invisível”. Mas isso também é um problema universal, temos uma sociedade em que cada vez mais as pessoas são invisíveis, mas isso é assunto para outro texto.
É libertador você entrar em um emprego que, justamente por causa dessa deficiência, você está ali. Todos já sabem desse problema. Ninguém é obrigado a ser um ás no assunto. Mas já é muito bom poder entrar em um emprego com a cabeça erguida, e não como se escondesse um segredo horrível.


Lígia Ríspoli D'Agostini é formada em Jornalismo, tendo pós-graduações em Communication Brand e Comércio Exterior. Atualmente é estudante de Direito e autora de poesias do livro "Variáveis sobre um mesmo tema-uma viagem pela alma. É também possui surdez moderada em ambos ouvidos, tendo que usar aparelhos. Ela espera, com o Tendência Inclusiva, contar alguns casos sobre "viver na pele" a deficiência auditiva.
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