DO COTIDIANO DAS DEFICIÊNCIAS
- Tendência Inclusiva
- 23 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Uma vez vi uma peça de teatro, “Ceguinho é a mãe”, do Geraldo Magela. Aliás, se ainda passar,recomendo muito que vá vê-la. É excelente. Ele conta as aventuras e as desventuras de ser cego em Belo Horizonte. O Geraldo Magela fez uma observação muito interessante: ele lembra que cego também faz as mesmas coisas que as outras pessoas, parece óbvio, mas não é.
Fazendo uma interpretação do que ele disse: o cego tem seus dias de mal humor, de querer xingar todo mundo, de querer brigar, de ter outras doenças, enfim: não é só e apenas cego. E tem dias bons e ótimos também.
Isso ocorre com todas as deficiências. Temos nossos dias ruins. Outro dia descobri, por exemplo, que para a Receita Federal, eu ouvir bem ou não faz diferença para ter desconto para adquirir um carro, mas olha só! A minha escoliose é considerada deficiência para adquirir carro. Como disse uma conhecida:“ É bom que você tem deficiências para todo tipo de exigências governamentais”. Então, além de não escutar direito, não consigo ficar muito tempo em pé e não posso enxergar absolutamente nada sem óculos. Então sou o típico caso que não escuta se não tiver óculos ou lentes. Hein? Isso mesmo não “escuto” sem óculos. A minha miopia não permite ler os lábios de ninguém. Por isso não “escuto sem óculos”.
Outro dia estava comentando na terapia como era bom chegar a casa tirar o sutiã, os óculos e os aparelhos de ouvido, no que continuou a minha psicóloga: a peruca e a dentadura....
Isso acontece muito em ônibus também. O idoso está em pé e exausto e finalmente alguém sai da cadeira reservada especialmente para esses casos e vem com um sorrisão, falando para a pessoa se sentar. Sem tirar o mérito dessa alma boa, mas é esquisito o idoso ter que abrir um sorrisão e agradecer. Quase como: “obrigado por estar fazendo sua obrigação.” É esquisito, né? Mas o idoso tem que abrir o sorrisão, porque todos nós sabemos que tal ato de ceder a cadeira é uma raridade. Isso me lembra da polêmica do Rodrigo Hilbert na internet, por ele saber fazer tantas coisas. Claro, não tenho nada com isso, mas a gente fica meio impressionada mesmo. Primeiro que não faço metade das coisas que ele faz. Segundo que a maioria dos homens também não. Claro, a gente se impressiona. Teve gente falando que ele não faz mais do que a obrigação dele. Tudo bem, mas nem eu dou conta de metade dessas obrigações. Mas, enfim: bom para ele, bom para a Fernanda e ela também deve dar conta de um tanto de coisa, mas a vida é de cada um e ninguém tem nada com isso.
Aliás, um comentário à toa: quando o Belchior morreu teve gente desmerecendo-o por ter sido um péssimo pai. Mas...você já ouviu a música “Saia do meu caminho”? Já sentiu-a no fundo do coração? O fato é que Belchior era humano e sujeito a falhas, mas nada tira o mérito de suas obras. Existe uma “corrente” atual “desmerecendo” grandes símbolos da humanidade. Acho interessante a título de curiosidade, mas não a título de diminuir obras artísticas. O outro lado do desmerecimento é a idolatria. Idolatria também é ruim. Os dois extremos são ruins.
Conclusão da história: um deficiente não é apenas um deficiente. É uma pessoa completa, com sua história de vida e seus próprios defeitos. A deficiência não é a única coisa que ocorre na vida daquela pessoa.
Somos, todos nós, um universo à parte. Devemos punir quem infringe leis, mas também respeitar essa pessoa. Se você sai linchando todo mundo que vê à frente, sério: quem precisa de tratamento é você.


Lígia Ríspoli D'Agostini é formada em Jornalismo, tendo pós-graduações em Communication Brand e Comércio Exterior. Atualmente é estudante de Direito e autora de poesias do livro "Variáveis sobre um mesmo tema-uma viagem pela alma. É também possui surdez moderada em ambos ouvidos, tendo que usar aparelhos. Ela espera, com o Tendência Inclusiva, contar alguns casos sobre "viver na pele" a deficiência auditiva.
Commentaires