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VELHO QUE TE QUERO VELHO.

  • Foto do escritor: Tendência Inclusiva
    Tendência Inclusiva
  • 9 de abr. de 2017
  • 3 min de leitura

Terminamos de escolher móveis para um evento e ele me chama para uma passadinha rápida na casa da avó, ali pertinho. Confesso que tive preguiça. Já era tarde e cansada, queria levar para a casa a beleza dos móveis assinados por artistas que nem ouso pronunciar os nomes.

Ele insiste, lá estamos na porta do apartamento, onde ela mora sozinha, no bairro Santo Antônio, no alto de seus oitenta e tantos anos.

Ela logo aparece. Mignon, cabeleira branquinha e cortada com estilo, olhos pequenos e os mais espertos que já vi. Sem ares de matriarca, mas a fortaleza é visível em todos seus movimentos. Primeira reação é observar a magreza do meu amigo. Deve ser muita balada. Ela mesmo conclui.

Percorro o apartamento como olhar de quem procura as coisas costumeiras de uma casa de avó. Mas lá não tem. Os porta retratos, inúmeros, são bem modernos. A parede da sala de jantar é salmon. As do corredor, amarelo claro. Uma viga no teto é adesivada. Passarinhos.

Ela está insatisfeita com a cor monótona do sofá bege vai comprar tapetes novos e coloridos, para dar vida a casa. Me conta que faz caixas. Eu que pensava a rainha delas, peço para ver.

Estão extremamente bem embaladas no quarto que ela transformou em atelier. Vai desembalado uma por uma e contando a técnica usada. Em minutos, aprendo a fazer o efeito madrepérola e a flor em alto relevo. Sem ainda percerber o terreno em que pisava, pergunto se ela fez curso na Galeria do Ouvidor.

O que??? - ouço. Meu negócio é com artista plástico, minha filha.

Volto a minha pequenez.

Dali, vamos para seu quarto. Impecável. Cama de solteiro. Sem mesinha de cabeceira com terço e novenas. Somente uma TV bem grande, tela plana. Mas esta é a menor. A boa está no escritório. E mostra a estante repleta de filmes e CDs. Gosta muito de filmes. Naquele dia comprou um pouco. Somente os indicados para o Oscar e dois CDs do Chico e do Gil. Gosta do Caetano também. Mais tarde ela vai assistir Dozes Anos de Escravidão. Aviso que o filme é pesado. Mas ela acha que a vida é mais.

Todos os filmes são catalogados em um caderno. O ultimo é de número 347. No número 232 tem uma observação - "Neto levou emprestado e NÃO devolveu". Aproveita e cobra.

Ela não nos oferece café, nem chá. E sim, balas da Kopenhagen. Aquelas coloridas, com calda. Sempre deixa para o bisneto. Agora, dono do pedaço.

Saí de lá sem saber se ela tem artrite, artrose ou colesterol. Saí sabendo que o marido com quem viveu 60 anos, tinha um sorriso lindo. Saí sabendo que o bisneto e a bisneta são muito inteligentes e que os netos, todos são de dar orgulho. Saí sabendo que a vida pode ser leve para quem sabe vivê-la, mesmo com o peso dos anos.

Enquanto escrevo sobre isto, ouço:

- Vovó? Sabia que o pão é o rei do carboidrato?

Minha alma ri e pensa: Deus é inteligência pura. Foi certeiro ao construir a ponte entre avós e netos.


imagem retirada da internet


Odette Castro é designer de festas, mãe de Laura publicitária com 32 anos de idade e Beatriz com 28 anos que tem Síndrome Rubistein Taybi. Autora do livro Rubi, onde conta o cotidiano com as filhas e divulga a inclusão através das palavras em sua página FALE CERTO no facebook.

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