CIA DE BALLET PARA CEGOS, HÁ 20 ANOS, TRANSFORMANDO SONHO EM REALIDADE
- Tendência Inclusiva
- 25 de out. de 2015
- 5 min de leitura
Aos 15 anos, Fernanda Bianchini teve que enfrentar o maior desafio de sua vida: ensinar ballet como voluntária numa Instituição para crianças cegas. Com tão pouca idade, era normal que a bailarina se sentisse insegura e ela foi procurar conselhos com suas professoras. Ao contrário do que esperava, as palavras não serviram de conforto para a adolescente. Na verdade, elas a desaconselharam e sugeriram que ensinasse expressão corporal e danças mais simples, pois ballet clássico exigia muito e seria impossível. Seus pais, que na época já a incentivavam a realizar trabalhos voluntários, mais uma vez ficaram ao seu lado. Fernanda relembra as palavras de apoio até hoje e, após 20 anos, as toma como regra para sua vida: "Filha, nunca diga não para um desafio, pois são destes desafios que partem os maiores ensinamentos que a gente tem em nossas vidas". O resultado de tamanha resiliência é a Associação que leva seu nome, e quem em novembro de 2015, completa duas décadas de estrada.

Para Fernanda Bianchini a experiência impulsionou uma grande mudança em sua vida. "Eu me considero uma pessoa melhor, mais humana, alguém que mais aprendeu do que ensinou. Foi o trabalho que mais me enriqueceu. Aprendi a cada dia a enxergar o mundo com os olhos do coração, ver um mundo mais bonito, com mais significado. Nos que enxergamos, nos aproximamos daquilo que podemos ver e não daquilo que sentimos. O mundo dos cegos se aproxima da essência do ser humano".
Sabemos que o ballet é uma as danças que mais exigem de um artista e, no caso das dançarinas da Cia Ballet de Cegos, a exigência também é alta. "Além de exigir qualidade técnica delas, quero que sejam aplaudidas por dançarem bem e não por serem cegas. Muitas vezes, as pessoas as consideram como coitadinhas e não as vejo nessa condição. Aqui dançamos a dança da vida aqui. É uma dança que transpassa a técnica, a sapatilha de pontas".

Encantado é a palavra que define a sensação de quem assiste um apresentação da Companhia. É um espetáculo de extrema sensibilidade, com técnica apurada e grande beleza estética.
Hoje além do ballet, a Associação ministra aulas de sapateado, dança de salão, expressão corporal, teatro, danças inclusivas para outros tipos de deficiências. Há também um trabalho que Fernanda chama de Inclusão às Avessas, que destina 10 % das vagas à pessoas que não possuem nenhum tipo de deficiência.

A Companhia Ballet de Cegos é uma instituição sem fins lucrativos, que sobrevive de doações e leis governamentais, como a Lei Rouanet. Este ano está operando apenas com 30 % dos recursos do ano passado. Mesmo com tantas dificuldades, seguem firmes em seu propósito de mostrar sua arte ao mundo. E eles já participaram de eventos importantes: representaram o Brasil nas Paralimpíadas de Londres e acabaram de voltar de um festival internacional em Hagen na Alemanha, onde fizeram sucesso absoluto. Elas também já dançaram em Buenos Aires e fizeram cursos em Nova York.

Todas essas conquistas são frutos de muito trabalho e dedicação. O método de ensino das bailarinas foi desenvolvido pela própria Fernanda. Tudo funciona através do toque e da percepção corporal. Ela toca o corpo da bailarina e sente seu movimento. Depois, ela reproduz o mesmo movimento no corpo da bailarina cega. Os movimentos são meticulosamente calculados. Nos palcos e no backstage, os professores e bailarinos fazem sinais com os dedos para direcionar o grupo. Toda essa movimentação é imperceptível aos olhos do público, que vê apenas um espetáculo de extrema beleza.
Para comemorar as duas décadas de existência a Cia Ballet fará uma apresentação especial no dia 1º de novembro, no auditório Ibirapuera. Os ingressos estarão disponíveis 15 dias antes da apresentação e podem ser adquiridos através do Ingresso Rápido.

Gisele Camilo, realizando um sonho...
Gisele Camilo está há 5 anos na Cia Ballet de Cegos. Através de uma associação em que fazia um curso de preparação profissional, descobriu sua verdadeira vocação. Após uma entrevista, começou a fazer vários cursos e se dedicou integralmente à arte. Tamanha dedicação foi recompensada um ano depois, ao receber um convite da própria Fernanda Bianchini para integrar a companhia de ballet. Gisele ensaia todos os dias, no mínimo 3 horas e faz uma verdadeira viagem para chegar à Associação. Infelizmente, seus vencimentos com a dança não são suficientes para que se manter, por isso, Gisele faz faculdade de Educação Física e estagia em uma escola pública. Dentre os seus desafios diários está a dificuldade para chegar nos ensaios.
O trajeto da bailarina leva mais de duas horas, porém ela não se abate. "Quando você gosta de algo, você vai atrás. A distância não importa. Trem, lotação, metrô, a gente enfrenta". Gisele sonha em ser professora de ballet e já está se preparando para o futuro. Consciente de seu papel na sociedade, a bailarina deixa bem claro, que mesmo participando de vários eventos e integrando uma instiutição reconhecida o mais importante é servir de inspiração. Quero que a pessoa que não tem motivação veja o meu trabalho e tome como exemplo. Se eu posso qualquer pessoa pode. Que as pessoas com deficiência possam se inspirar a correr atrás dos sonhos delas"

Geisa Pereira e Bruno Carlos- parceria de sucesso nos palcos
Este ano, Geisa Pereira completa 20 anos de arte junto com a Associação Balet de Cegos. Antes de ingressar na Associação, ela fazia aulas de ballet em uma escola especializada, onde conheceu Fernanda. Na época, a bailarina estava se recuperando de uma meningite, que resultou na perda de sua visão. Ela e sua família se mudaram para São Paulo em busca de tratamento e foi aqui que conheceu Fernanda Bianchini. A professora a convidou para participar da Associação de ballet, e a incentivou a acreditar em seus sonhos. No início ela não estava segura, mas acabou seguindo seu coração. "Mergulhei no mundo da dança. É uma liberdade poder dançar. Foi por intermédio da dança que não me transformei numa pessoa revoltada!", conta Geisa emocionada.
Bruno Carlos, ao lado de Geisa na imagem, começou seus estudos aos 19 anos, um pouco tarde para a profissão. Hoje, aos 24 anos é bailarino profissional contratado pela Companhia Ballet de Cegos. O bailarino enxerga perfeitamente e no início sentiu medo, pois não sabia como lidar com as companheiras de palco cegas. "Como vou ajudá-las ? Como vou direcioná-las nos palcos? No início foi um desafio muito grande, mas foi maravilhoso!"

Após 3 anos com a companhia de ballet, Bruno se sente seguro em dizer que sua técnica melhorou muito, por causa do contato com bailarinas cegas. Quando se trabalha com uma pessoa que enxerga o bailarino não tem que se preocupar com a outra dançarina. Hoje tenho visão mais completa da dança. Penso na minha arte enquanto estou no palco, mas também me preocupo com minha parceira. Também cresci muito como pessoa. O balet é uma arte difícil, que exige muita técnica, porém o que é mais difícil é sentir a música dentro da gente. Acredito que estou no rumo certo agora", conclui.

Créditos das fotos Angela Pereira/Mabou 35
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